terça-feira, 15 de junho de 2021

Зеркало e a estética do Belo

O belo, segundo Kant, é um fenómeno estético, exclusivamente humano, de capacidade de julgar e apreciar algo mediante uma satisfação independente de qualquer interesse ou conceito que respeite essa afirmação, defendendo um caráter não determinado do juízo estético. É um movimento que têm efeito na nossa imaginação e entendimento, é, assim, uma experiência puramente contemplativa, para a qual é necessário suspender os interesses sensíveis e racionais. Esta estética é assim dívida entre o belo clássico e o belo romântico, porém, não é esse o tema que se ira abordar aqui, mas sim, uma apreciação estética do filme Зеркало (Mirror).

Зеркало, é um filme de Andrei Tarkovsky de 1975. Trata-se de um filme de caracter autobiográfica com uma estrutura original e não linear, que incorpora mudanças de cena entre o presente e o passado, apresentadas através da imagem a cor, como também preto e branco. Incluindo poemas realizados pelo pai de Tarkovsky, é um filme com recurso ao áudio sem uso de banda sonora. A escolha da palavra Mirror, vai marcar e propor a ideia e a visão de duas narrativas na visualização deste filme, apresentando assim duas vertentes: a do realizador e a do espetador, sendo esta última diferente para cada individuo, porém, irá sempre observar, interpretar e contruir uma narrativa ao longo do filme. É necessário apontar que, a ideia de dupla narrativa pode não ter sido algo proposto ou trabalhado pelo realizador intensionalmente.

Neste filme podemos visualizar uma linha cronológica do antes da guerra, guerra e pós-guerra, sendo uma obra que projeta a infância de Tarkovsky e as suas memórias desde da evacuação para o espaço rural, durante a guerra em 1935, a ausência do pai e o tempo que era apenas ele, o irmão e a própria mãe.

A figura da mãe é um dos principais sinais de passagem de tempo que primeiro observamos, sendo esta na cena da casa de banho, onde temos esta personagem com o cabelo molhado a tapar-lhe o rosto, como se fosse uma cortina, que remete para um tempo antes da guerra onde o marido ainda estava com ela, acompanhado pelo o momento onde o cabelo é movido para trás, deixando o rosto a vista e mostrando a ideia do tempo de guerra. É a partir deste momento, da mãe numa toalha a olhar para o espelho, que observamos a passagem do tempo, pois é visível o envelhecimento da jovem mãe para uma senhora mais velha, remetendo para um amadurecimento físico, como também psicológico.

Durante os primeiros minutos, é nos apresentando um jovem gago que diz “я могу говорить” (I can speak) e é possível, dependendo de individuo para individuo, fazer uma relação com o aspeto do espelho utilizado e referenciado ao longo do filme, como a maneira em que o filme é o meio que mostra e conta a história que Tarkovsky quer mostrar. Sabendo o carácter deste filme e a própria frase citada acima, podemos apontar este filme como uma obra de tempo e conservação do mesmo, sendo uma obra que visa representar e preservar as memórias do realizador, invocando a seguinte frase presente no filme que é “Words can’t express everything a person feels”, na maneira como este filme é uma forma do realizador se expressar para além das palavras e de assim falar para os demais, ou seja, “я могу говорить”.

A apreciação deste filme no campo do belo, leva a sua contemplação e ao respeito puro pelas formas e a maneira como o filme é realizado. Esta é uma obra onde simplesmente ignoramos os nossos interesses e construímos o nosso belo, um belo que é diferente para cada um e para cada leitura deste filme. É um belo que deixa de ser uma qualidade inerente e que passar a ser algo que serve como algo de prazer de qualidades que suscitam aos espetadores e que no fim geram o belo como uma representação com uma finalidade e sem fim. 

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