terça-feira, 15 de junho de 2021

Críticas à democracia

Na sua obra “Da democracia na América”, Tocqueville aponta a igualdade como a paixão dominante numa democracia. Ora, igualdade não é uma simples equivalência de bens ou direitos, mas sim uma igualdade mais elementar. Tocqueville fala sobre uma igualdade cultural na qual um pedreiro é igual a cientista. Assim, no seguimento desta aspiração, surge um favorecimento do individualismo. Por individualismo entenda-se um afastamento voluntário do indivíduo em relação ao todo. Isto é, um confinamento a um nicho. Tocqueville verifica isto no seu palco de estudo, a América do séc. XIX, a primeira democracia moderna.

Naturalmente, o individualismo constrói uma sociedade separada, na qual o Homem cultiva uma mentalidade autônoma. O destino passa a estar, portanto, nas mãos de cada um. Se, apenas com a sua razão, o indivíduo sente que consegue resolver os seus problemas quotidianos, empregará somente o uso da razão para resolver problemas de maior escala. Em último caso, rejeitamos qualquer tipo de conhecimento que nos seja incutido por forças exteriores, por estarmos tão isolados. A capacidade de transmitir conhecimento ao longo de gerações que tanto nos diferencia como homens, deixa de ter uso. Estamos demasiado fechados na nossa esfera pessoal e rejeitamos por completo o costume e a tradição que, em parte, formatam o nosso caráter.

Tocqueville reconhece também o papel que a igualdade desempenha na desvalorização da autoridade. Todos passam a ter o mesmo direito à opinião, mesmo que não saibam nada sobre aquilo que defendem. Torna-se, por isso, impossível acreditar na palavra do outro quando temos tanto orgulho em possuir uma opinião própria. Contudo, no momento em que o Homem se depara com a enormidade da multidão, ganha consciência da sua pequenez e sente-se obrigado a adotar a opinião da maioria. Aquilo que é determinado como sendo verdadeiro passa a depender de uma juízo feito pela multidão; a verdade passa a ser aquilo que a multidão determina como sendo verdadeiro.

Consequentemente, nascem coisas como a cancel culture hoje vivida nos Estados Unidos. A multidão divulga a sua opinião e as suas palavras são lei, ninguém consegue fazer frente. Por tomarmos como garantido que a multidão está certa, não pensamos por nós mesmos, não nos desenvolvemos, não procuramos, não aprendemos. Tornamo-nos num grupo de corpos amorfos que se deixam levar pela opinião maioritária.


Para além disso, todos podem opinar e acham que sabem tanto como o próximo devido a existência de uma igualdade quase perfeita. Talvez isso explique o que estamos a viver agora com a pandemia: qualquer pessoa acha que sabe mais que um médico experiente e aposta no seu mínimo conhecimento na matéria para formular a sua opinião e levar outros atrás. Por acharmos que somos todos iguais, achamos que merecemos ser todos ouvidos da mesma maneira e que temos o mesmo valor, independentemente do que a realidade nos diga. Esta é uma explicação possível para o facto de múltiplas pessoas teimarem com a vacinação.

De facto, é curioso como reflexões feitas há tanto tempo atrás, se verificam hoje. Reflexões sobre a maneira como a democracia afeta a maneira de ser do homem, individualmente ou em contextos comunitários; sobre a maneira como ideologias evoluem e afetam o mundo em redor de maneiras inesperadas. Afinal de contas, o mundo não muda assim tanto.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.