Na Grécia antiga foram postas inúmeras questões. Algumas, entretanto, respondidas, outras que ainda nos perseguem. “Como é que o nada pode ser algo?”. A existência do número zero foi flutuando no início da história, dado o seu carácter abstrato. O mesmo se passa com o conceito de infinito. Enquanto seres mortais, torna-se difícil conceber algo sem limites. A imensidão do infinito e a inexistência do zero tem muitas aplicações na nossa vida, deixandonos sempre na dúvida sobre como tudo funciona. A meu ver, a morte é uma boa representação de ambos.
A morte é algo que deixa muita gente perturbada e acredito que tenha a ver com a incerteza da sua dimensão. Embora alguns acreditem que após a morte não há nada mais que um vazio, outros creem que seremos encaminhados para um paraíso ou um inferno, ou qualquer outro sítio que pressuponha a continuação da existência da nossa alma. Sempre me inseri na primeira opção. Contudo, após a recente morte do meu avô, sem qualquer aviso ou preparação, recuso-me a aceitar que a morte é finita. Talvez por egoísmo ou egocentrismo, repensei tudo aquilo que tinha como certo. Será que é mesmo um eterno nada? O que é o nada? O que é que isso significa para esta pessoa que me deixou de um dia para o outro?
A meu ver, crenças servem para nos trazer conforto e, a verdade, é que a minha passou a deixar-me inquieta. Nunca achei que fosse possível mudar de opinião tão rápido. Contudo, agora vejo a morte como uma infinita continuação da vida. Se há alguma coisa positiva que retirei deste último mês sem o meu avô, foi que uma vida bem vivida dura para sempre. Vejo o na rua, quando passa por mim um avô com a sua neta. Vejo-o no meu pai, quando se empoleira na mesa depois do jantar, posicionando os braços e as mãos exatamente como ele punha. Ouço-o na minha avó, quando diz aquilo que costumava ser a palavra favorita dele.
Ouço-o nas minhas tias, suas filhas, que tal como ele me tratam por “miúda”. Já passou um mês e oito dias, mas ainda consigo ouvir o seu riso. Não é possível que a morte seja o “nada”.
Porque isso significava que ele estaria sozinho nesse “nada”. Eu tenho a certeza de que ele está aqui, porque eu quero que ele esteja. Também o sinto quando tento ser boa pessoa e ajudar quem está a minha volta, tal como ele fez. Quando me rio e faço os outros rir. Quando aprendo ou experimento coisas novas. Se ele vive através das minhas ações então a morte não pode ser “nada”.
Nunca tinha ido a um velório, nem a um funeral, mas só o conceito me deixava triste.
Foram dois dias muito pesados. Cumprimentei toda a gente, respondi a muitas perguntas, mas sempre com a distância sanitária que impedia o toque caloroso de quem genuinamente se preocupa, e cheguei a casa esgotada. Agora, um mês e oito dias depois, não penso no cansaço físico e emocional daquelas seis horas que na altura me pareceram seis anos. Relembro as histórias que a família em segundo grau, que eu não via há anos, me contou sobre o tio João, sempre brincalhão e pronto para ajudar, que os colegas de trabalho me contaram sobre o professor João, com paciência inacabável para os seus alunos, “são miúdos, deixa-os estar” e todas as outras que eu revivi na minha cabeça.
Se o meu avô vive através da minha avó, do meu pai, das minhas tias, se ele vive através de mim, então isso não o torna imortal? Infinito? Contarei todas as histórias que me lembrar aos meus filhos, acompanhadas de fotografias e vídeos que guardarei com muito carinho. A morte não deixou de ser assustadora, mas se temos de conviver com ela, então que seja a imortalizar aqueles que queremos junto de nós para sempre.
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